18 de jul. de 2009


Telegrama envolve
Lampião, Padre Cícero e Prestes


Tenho entre os meus guardados cópia de um importante documento para a compreensão mais clara da controvertida relação entre Pe. Cícero Romão Batista e Lampião: a reprodução do telegrama transmitido do município de Campos Sales por Floro Bartolomeu, correligionário do Patriarca de Juazeiro do Norte, ao seu advogado, José Ferreira, dando conta da dispensa do bandido e seu bando para à perseguição a Coluna Prestes. Naquele ano de 1926 estava sendo formado, no Cariri, o Batalhão Patriótico, exército paramilitar, formado com ajuda financeira e de armamento patrocinados pelo governo federal – gestão do presidente Artur Bernardes – para combater Luis Carlos Prestes e seu grupo.




Registrava o telegrama: "Comunique nosso amigo, que não preciso mais Lampião, povo já seguiu perseguição revoltosos". O documento, até então inédito, faz parte do acervo das pesquisadoras juazeirenses Fátima Menezes e Generosa Alencar, e que divulguei em matéria publicada no jornal Diário do Nordeste, edição de 17/12/1992. O comunicado do então deputado federal Floro Bartolomeu, responsável pela formação dos Batalhões Patrióticos em todo o país, é considerado pelos historiadores como primeiro documento oficial ligando os três personagens (Pe. Cícero, Lampião e Prestes) da Velha República.




À época, um grupo de homens liderados pelo Cavaleiro da Esperança estava percorrendo o país (25 mil quilômetros entre os anos 1924/26) denunciando os desmandos administrativos do governo do presidente Artur Bernardes. Como forma de reprimir os revoltosos, além de contar com o sistema armado oficial, a administração federal arregimentava os políticos alinhados ao governo, espalhados pelo território brasileiro. Possuidor de poderosa influência religiosa/política/administrativa no Ceará, e pertencente ao partido Conservador, o Patriarca do Cariri era personagem vital para a estratégia bélica do governo. O baiano Floro Bartolomeu, radicado em Juazeiro do Norte desde 1908, braço-armado e mentor político do padre, e também deputado federal de trânsito livre nos gabinetes presidenciais, era o estrategista dos chamados Batalhões Patrióticos. No Cariri, sob seu comando, dois mil homens receberam munições, fardamentos e treinamentos militares.




Na verdade, nunca aconteceu o confronto entre o Rei do Cangaço e o Cavaleiro da Esperança, via Batalhão Patriótico. Sequer os dois cruzaram caminhos no sertão nordestino. Todavia, existem relatos comuns aos dois, anotados por pesquisadores, como a citação de um dos membros da Coluna, não-identificado, registrada no livro A Coluna Prestes, de Nelson Werneck Sodré: “Serviu-me de vaqueanos na Paraíba um primo de Lampião, que se ofereceu a Prestes para ir convidar esse bandoleiro a se reunir à Coluna, no que foi recusado”.. O próprio Prestes revelava mais tarde, em 1935, no texto A luta dos camponeses do Brasil, o seu posicionamento concernente à saga dos bandidos: “ As massas nutrem a maior simpatia pelos cangaceiros, com esse repartindo entre elas uma parte dos víveres e mercadorias tomadas”.




Mesmo sendo preteridos para operação de combate à Coluna Prestes, Lampião e seu bando foram para Juazeiro do Norte, adentrando a zona urbana do município na madrugada do dia seis de março de 1926. Sem a presença do comandante Floro Bartolomeu (ele viajara, rumo ao Rio de Janeiro, enfermo, morrendo dias depois no Distrito Federal), a desorganização era total. A população queria ver de perto o cangaceiro mais temido e procurado pelas polícias de todos os estados nordestinos. O bando fazia orgias. E o padre Cícero Romão Batista preocupado com a vexatória situação, principalmente porque Lampião queria receber das mãos do vigário a patente de capitão do Exército Brasileiro, como haviam prometido. A única atenção dedicada por Meu Padim Ciço foi uma audiência em que todos os cangaceiros receberam bênçãos e rosários, mas com a recomendação de só usar os adereços religiosos, no dia em que deixassem aquela vida criminosa.




A questão da patente foi resolvida. A mando do Pe. Cícero, o funcionário do Ministério da Agricultura, o médico Pedro Albuquerque Uchôa, presidiu a solenidade e assinou um documento tornando capitão do Exército, Virgolino Ferreira. Contavam os mais antigos de Juazeiro do Norte que Uchôa ficara tão constrangido em assinar a nomeação que teria comentado depois: “ Naquela situação, diante de mais de cinquenta homens armados, eu assinava até a demissão do presidente da República”.




Reabastecido de munição e orgulhoso, pensando que passara a integrar o quadro de oficiais das Forças Armadas, o capitão Virgolino Ferreira, juntamente com o seu bando, deixaram Juazeiro do Norte, na madrugada do dia nove de março, com destino a Pernambuco. Logo na divisa, o sonho de ser reconhecido pelas autoridades era desfeito ao ser recebido a bala pelos macacos (policiais) do vizinho Estado. A trajetória da violência continuou. Lampião foi morto por um volante, doze anos depois, em Angico, município alagoano.

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