2 de ago. de 2009





Davy Nascimento


Certo dia, uma pessoa ligou, aflita, para o fone 32251979, implorando para ser orientada de como organizar a “tabelinha” de ciclo menstrual, prevenção ou planejamento da gravidez. Só que do outro da linha quem atendeu não foi um ginecologista. O atendente estava preparado, isto sim, para dirimir dúvidas sobre a Língua Portuguesa. O exemplo citado faz parte dos casos inusitados, registrados pelos plantonistas do Plantão Gramatical. Completando, quase, 30 anos de funcionamento, o Plantão já dissipou mais de 550 mil dificuldades. Com a implantação do novo Acordo Ortográfico, o serviço aumentou.




Já houve casos também (vários, segundo os próprios professores) de consulentes que recorrerem ao serviço em busca de explicações sobre o teor de laudos médicos. “Quando entendo que aquele problema é muito grave ou se trata de tumores malignos, eu não digo.” Justifica o professor Francisco Marino Neto (o mais antigo do atual quadro de docentes plantonistas, com dezesseis anos de serviços prestados ao Plantão). “Se a pessoa quiser, é só procurar no dicionário. Apenas digo que é um tumor. A minha formação emocional, moral, religiosa e profissional não me permite dizer por telefone um problema dessa gravidade.




Muita gente também liga pra cá com dúvidas que podem ser resolvidas facilmente com uma lista telefônica”, adverte a professora Helena Sampaio. “Muita gente também quer confirmar questões de apostas entre amigos. Quando perdem, dizem ‘professora, não me diga uma coisa dessa!’. Agora, quando a aposta é ganha, eu, brincando, peço a minha parte do que foi apostado”, diverte-se a professora. “Ah, tem gente que quer saber a cotação do dólar e liga pra onde? Pra cá. Aí, eu explico ‘meu filho, aqui a gente sabe tudo sobre gramática, português, literatura’. “A gente vê de tudo nesse Plantão, viu”, realça a professora aposentada Hélia Benevides, plantonista há 11 anos.




Plantão Gramatical. Bom dia!” Após esse cumprimento, ao telefone, que é de praxe feito pelos oito plantonistas, do outro lado da linha surgem as mais diversas interrogações. A professora Helena reclama: “O pessoal acha que a gente é computador. Nem sempre, as respostas estão prontas. Você sabe a respeito do que eles perguntam, mas, às vezes, você precisa organizar as informações, as ideias. Uma vez, aconteceu o seguinte: uma pessoa ligou pra cá querendo saber o que significava ‘Fenolftaleína’. Fiz uma rápida pesquisa no computador e respondi que era uma ‘substância cristalina, incolor, solúvel em álcool, usada como indicador’. Aí, a pessoa perguntou






Mas o que é indicador?’. E isso foi se estendendo, se estendendo, com perguntas muito específicas, até eu explicar pra pessoa que só tinha uma linha de telefone e que precisava responder as dúvidas de outras pessoas. Por isso, limitamos em três minutos o atendimento a cada consulente”, justifica.




Uma estudante, segundo supõe a professora Helena, teria que reescrever a frase: “Colgate, o creme dental mais eficaz contra o mau hálito”, e queria uma sugestão. A professora, rapidamente, respondeu: “Você precisa entender o contexto em que essa marca de creme dental está inserida. Nesse caso, a frase poderia ficar: Colgate, o mais eficaz dentre os cremes dentais contra o mau hálito”.




O telefone tocou novamente. Dessa vez, quem deu conta foi a professora Hélia. O consulente queria saber o que significava a expressão “de cor”. A professora explicou que é “algo que se sabe de memória, muito bem, muito a fundo”.




Num dos telefonemas atendidos pela professora Helena, um consulente queria saber qual a forma correta de se escrever a palavra “alforria”. Após esclarecer a dúvida, a professora explicou que esse caso é um exemplo de dúvida de Ortografia.




A professora Helena atendeu outra ligação. Do outro lado, a pessoa questionava como seria a melhor maneira de escrever, dentre as frases ‘Isso aconteceu há décadas’ e ‘Isso aconteceu há décadas atrás’. A professora logo respondeu que “a primeira é a mais ideal e que a segunda é redundante”. Entretanto, ponderou: “Olha, essa segunda expressão já está sendo aceita em muitas redações de provas de concursos públicos. Eu não aceito isso. As pessoas usam, porque isso já se cristalizou, já caiu no vício, no costume”. Conforme disse o professor Francisco Marino Neto, que também é mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC), a procura pelo serviço do Plantão Gramatical tivera aumentado depois da divulgação do Acordo.






“O trabalho diário nos mostra que geralmente as perguntas são as mesmas, mas as de ortografia aumentaram”, revelou. Pode-se perceber isso pelos números correspondentes ao mês de março passado, apresentados por ele. A maior parte dos consulentes (24,02%) queria mesmo resolver questões sobre Ortografia. Em segundo lugar, estavam as dúvidas sobre Sintaxe (17,56%) e, em terceiro, as de Morfologia (13,88%). Fato curioso, nenhuma pessoa ligou para tirar dúvidas sobre Literatura.




No que se refere à acentuação gráfica, a professora Hélia observou: “Muitas pessoas estão generalizando as coisas. Por exemplo, as pessoas perguntam se o acento agudo foi abolido em todas as palavras. Aí, eu vou explicar em quais casos o tal acento não é mais utilizado e em quais palavras ele permanece. Agora, no caso do trema, ele só fica em palavras estrangeiras e suas derivadas, como é o caso de Müller e Bündchen”. Marino, por sua vez, criticou as novas modificações de escrita, argumentando: “O que atrapalha bastante o entendimento é que muitas gramáticas ainda estão desatualizadas e, além disso, não há no Acordo Ortográfico os motivos para as mudanças. Elas apenas estão lá e temos que segui-las”. O professor reconheceu que, não obstante a presença de alguns problemas ocasionados pelas propostas do novo acordo, algumas regras foram criadas para simplificar a escrita gramatical. “Por exemplo, o emprego do hífen. Em palavras separadas por esse sinal, se a última letra da primeira palavra for uma vogal diferente da primeira letra (vogal) da próxima palavra, o hífen não é utilizado. Houve uma facilitação. Mas, em compensação, outros casos ficaram obscuros”, admitiu.




O novo Acordo Ortográfico entrou em vigor em janeiro deste ano, mas conviverá com a atual ortografia até 2012, num processo de transição. Somente a partir de 1o de janeiro de 2013, o Brasil adotará unicamente as novas regras. Desde 1990, Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste, países lusófonos integrantes da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), vêem discutindo essa reforma.




SERVIÇO
O Plantão Gramatical foi criado em 8 de setembro de 1980 por Antônio Agnelo Neves, na época presidente da Fundação Educacional de Fortaleza (Funefor), hoje em dia, IMPARH (Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos Humanos). O serviço, mantido pela Prefeitura de Fortaleza, funciona de segunda a sexta, de 8 às 18 horas, pelo telefone 3225-1979 e conta com oito plantonistas, sendo sete professores de Português e um de Espanhol.



* Esta matéria foi publicada na Singular, edição de junho/2009

Um comentário:

  1. Só mesmo quem é mineiro, para compreender certas expressões, direi assim, bem coloquiais mesmo, tipo essas: ..Vou comer um trem,ou então:Tem um trem no meu olho, agora, "duro mesmo" principalmente qudo dito por professores é ouvir coisas assim: Estou meia gripada,ou, estou com labirinto...Um labirinto inteiro é? Isso que é ter um CABEÇÃO.

    Rejane M.Heitor/Uberaba-MG

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