7 de jun. de 2009






Pássaro grande
André Dusek*

Esta capa da Singular foi publicada em junho de 2005. O que aconteceu foi o seguinte: liguei para o fotógrafo André Dusek, pois eu sabia que ele tinha um texto sobre os primeiros momentos depois da morte de Che Guevara. Ele, gentilmente, mandou-me o texto com foto e tudo...


"Ele não queria acreditar, mas estava ali, ao lado de Che Guevara morto. Fotografou o que podia, consumiu vários rolos de filme. Entre uma chapa e outra, pegou na mão de Che e constatou que estava quente. De um furo no seu peito ainda brotava sangue. Che havia sido executado há pouco tempo. Há dias sem dormir e ainda um pouco bêbado, o fotógrafo Antonio Benedito de Moura continuava sem acreditar no que via e fotografava. Para ter uma prova que fosse além das fotos que fazia, pegou um pedaço de filme virgem e tentou tirar as impressões digitais do guerrilheiro, mas foi impedido por um militar boliviano. O mais incrível é que um grande porre e muita sorte ajudaram o repórter fotográfico Antonio de Moura, do Diário da Noite e o cinegrafista Walter Gianello da TV Tupi, ambos dos Diários Associados, a produzir este importante furo internacional na década de 60. Eles foram os primeiros a fotografar e filmar Che Guevara, morto na Bolívia.

Esta história começou dias antes em um bar chamado São Benedito, na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra, que o fotógrafo e o cinegrafista brasileiros adotaram como casa e que carinhosamente chamaram de “sucursal”. Era outubro de 1967, eles aguardavam por vários dias o retorno da repórter Helle Alves. Esta tinha ido a La Paz tentar conseguir vistos para seguirem para Camiri, onde acontecia o julgamento do jornalista francês Regis Debray, acusado de participar da guerrilha naquele país. Como não havia o que fazer, Moura e Gianello iam matar o tédio no boteco São Benedito. Dia após dia, os dois tomavam “todas” (cerveja e pinga). Havia na cidade um boato de que um tal “pássaro grande” estava para ser pego. Lá pelo dia 4 de outubro, o dono do bar os chamou num canto e avisou: três “caras” do serviço de informação do Exército boliviano e informantes da CIA chegariam no bar para tentar arrancar alguma informação dos jornalistas brasileiros. Até hoje, Moura não sabe o que queriam arrancar deles, mas, pelo sim e pelo não, resolveram “pegar leve” na bebida a partir daquele momento. Os informantes bolivianos chegaram oferecendo cerveja, porém os dois brasileiros foram logo dizendo: “vamos fazer como é costume no Brasil, vamos “quebrar o gelo” e tomar do jeito brasileiro, ou seja, tomando cachaça com cerveja. Enquanto Moura e o Gianello tomavam uma, os bolivianos tomavam três. De madrugada os brasileiros saíram de lá carregando os três bolivianos com a informação de que o “pássaro grande” que estava por perto era Che Guevara e que estava cercado nas proximidades de La Higuera. Helle, que já havia voltado, Moura e Gianello tomaram um jipe e pagaram a estrada.

Encontraram militares pelo caminho e várias barreiras. Para ganhar a confiança, Moura fotografou a movimentação dos boina-verde. Ele, Gianello e Helle se alistaram como colaboradores voluntários do exército boliviano que não se responsabilizaria pela segurança dos jornalistas. Estes só poderiam acompanhar as tropas até Valle Grande.

Eles conheceram um tenente, que havia estudado na Academia Militar de Agulhas Negras e falava bem português. O militar lhes contou que Che já estava preso. No dia seis de outubro, Moura fotografou a chegada dos cadáveres de dois guerrilheiros identificados como Tânia e Perêdo. No dia oito, chegou a informação de que Guevara já estava morto. Para não correr riscos, Moura entregou a sua Rolleiflex ao tenente para que fizesse as fotos caso ele não tivesse acesso ao local onde estava o corpo, ficando só com a câmera 35 mm.

Às três horas da tarde, do dia 9, chega em Valle Grande um helicóptero com dois corpos amarrados em macas no trem de pouso do lado de fora. Um deles era Che Guevara. Sua maca foi carregada até uma lavanderia e colocada em cima de uma pia com balcão. Não foi difícil chegar perto, mas teve que “molhar a mão” de alguns militares com pesos bolivianos. Moura nem esperou a autorização e tirou várias fotos de Che morto, mostrando detalhes do corpo. Na hora, o seu flash não funcionou e as fotos foram feitas com luz natural, com baixa velocidade de exposição, pois na lavanderia estava escuro, o que deu um tom dramático às imagens. “Para você ter uma idéia de como o Che chegou, parecia vivo ainda, estava quente e apertando a mão na haste da maca. Ele foi executado mesmo”, relata Moura. Lá contavam que Che, quando foi encontrado, tomou um tiro na coxa e caiu no chão. Depois foi amarrado numa árvore para ser executado. Che tinha vários problemas de saúde.

Além de asmático, ele usava botas ortopédicas. Como não tinha mais botas, ele estava usando uma metade de bola de futebol amarrada em cada pé. Ele também estava sujo de terra. As fotos de Moura mostram o Che com a mão agarrada na haste da maca, com as metades de bolas de futebol nos pés, o corpo sujo de terra e vestindo uma jaqueta com capuz. A foto feita pelo fotógrafo Freddy Alborta, que depois circulou no mundo, mostra um Che Guevara morto, com o corpo limpo, sem camisa, com vários militares em volta apontando o furo da bala e com os pés descalços. Essa foto foi feita com certeza horas depois das tiradas por Moura. O corpo de Che ficou exposto para visitação do povo de Valle Grande durante a noite, mas, no dia seguinte, sumiu. Suas mãos foram amputadas para efeito de identificação, e tempos depois foram enviadas para sua família na Argentina. Seus restos mortais só foram encontrados em 1997 e enviados a Cuba, onde foi feito funeral com 30 anos de atraso. A imprensa internacional estava toda em Camiri, no julgamento de Debray e quando souberam, correram para Valle Grande, mas era tarde demais. Naquele tempo não era fácil se deslocar pela Bolívia.

Em sentido contrário voltando na estrada, Moura, Gianello e Helle correram para Santa Cruz. Por sorte, naquele dia saiu um vôo para São Paulo. Helle embarcou sozinha com todos os filmes de Moura. “Parem as máquinas!” O Diário da Noite publicou com exclusividade as primeiras fotos de Che Guevara morto. A equipe dos Diários Associados “furou” até os bolivianos. Depois essas fotos foram vendidas para o mundo todo e Assis Chateaubriand ganhou dinheiro e prestígio.


Moura, ao voltar ao Brasil ganhou muitos elogios. Moura, hoje, está aposentado. Ele completou 66 anos em junho deste ano. As imagens de Che, morto na Bolívia feitas pelo cinegrafista Walter Gianello se perderam num incêndio na TV Tupi. Felizmente, as fotos estão salvas: Antonio Moura guarda seus negativos até hoje.

Isso é História, com H maiúsculo e deve ser preservada para sempre.


*André Dusek é repórter-fotográfico da revista IstoÉ

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