O que acontece, na Praça do Ferreira, em pleno domingo? Como é o “coração da cidade” sem o frenesi da movimentação de segunda a sábado? Quem anda por lá? Foi esta a pauta que o cronista Jorge Pieiro, juntamente com o fotógrafo Evilázio Bezerra fizeram para a Singular , e que foi publicado, na edição de número 25 de 2008.
Ficou muito bacana o trabalho dos dois:
"Passava pouco das 6 e meia da manhã daquele domingo. A fachada do Cine São Luís apresentava o horário e o cartaz do filme A guerra dos clones, e quase uma centena de pombos bicava o chão da praça, logo espantados pelo ciclista do Siqueira, Giordano Gadelha, 29 anos, estudante de Administração e espécie de faz-tudo no lugar da maior diversão, a varrer a frente do edifício.
Pelo lado da Leão do Sul, ninguém, afora as sombras de um delirante olhar. Caberia certo medo naquela solidão, mas só até que a algazarra de um bando de travestis colorisse o silêncio da manhã dispersa e enchesse de trejeitos e passos trôpegos o caminho vazio. E aumentasse o medo, e afastasse o delírio a uma bruta realidade.
Um quase invisível homem de barba, sentado em um banco, isolado, olhava para as paredes e portas cerradas. Desconfiado, olhava também para todos os lados, como se tivesse a temer um segredo ou uma aproximação. Sem ser notado desaparecera. Outro, perna erguida, sem nenhum pudor, lamentava da existência falando ao celular com uma provável amante sonolenta.
À frente do antigo Hotel Savanah, entre os quiosques de alvenaria, duas mesas brancas e um ror de gente. Homens e mulheres em incontrolável vício dobravam a madrugada, desde o bingo, e amanheciam entre copas, paus, ouros e espadas, e montículos de moedas a tilintar!
Melhor foi tentar uma conversa com o Pirrita, um dos mais antigos frequentadores, 66 anos de idade, dos quais 54 de graxa e alegria. Ao lado, o cachorro imponente a observar o dono dando milho aos pombos, a mão em concha... Conversa mesmo, só com o amigo enfezado, seu Francisco Alfredo, 74 anos, vindo do Pirambu para passar o tempo naquela praça violada e ver o pouco movimento, mesmo sem assentir com o que via agora por ali até escorraçar, sem correções: “Hoje, a praça é um verdadeiro chiqueiro de porco. Só tem ladrão, veado, sapatão e baitola...!”
Quase 9 horas, uma família atravessara a praça, em destino à praia.. O garotinho montado nos ombros, o coraçãozinho batendo forte. E naquela imensidão, os últimos pombos, ainda o sussurro dos poucos, uma dupla de policiais em ronda, quais nomes estavam marcados ao peito? Henrique, Aurélio? Aos poucos, um grupo de estudantes de História, alguns pais e a curiosidade pelas fachadas destruídas de um passado diferente.
Enfim, a praça foi se transformando aos poucos. Ficando sem graça... a praça, sem graça, perdendo o reflexo, desgastando a pauta. Assim, cada um se foi. O fotógrafo, o cronista, ... o domingo".
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