Maracutaias de Lampião
com policiais
Já li livros, revistas, vi filmes, artigos, fiz entrevistas sobre a vida do cangaceiro Lampião e seu bando. Em quase todas as abordagens, a figura lendária de Virgulino Ferreira surge em diferentes adjetivações: facínora, injustiçado social, justiceiro, desafiador da ordem pública, inimigo dos poderosos, corajoso, rebelde...Enfim, um corolário de personificações.
Muito trololó.
Em 1972 (à época eu trabalhava como repórter especial do jornal Diário do Nordeste), entrevistei o pesquisador Napoleão Tavares Neto. Ele estava concluindo uma pesquisa sobre Benjamim Abraão, o único cinegrafista que filmou e fotografou cenas do bando do cangaceiro e seu grupo.
Napoleão falou-me sobre uma abordagem até então inédita, pelo menos, para mim: Lampião não era “caçado” pelas volantes (ação policial), coisa nenhuma.
O bandido mantinha, mesmo, era pacto com os policiais para manter as “perseguições” por tempo indeterminado. Tal artinha servia aos dois lados: as volantes, trabalhando dentro das caatingas rendiam gordas diárias pagas pelo governo aos policiais. E Lampião continuava solto, com fama de valentão, fazendo e acontecendo por onde andava. Menos em Mossoró. Mas, isso é outra história.
As pesquisas do professor Napoleão, de certa maneira, desmistificaram a figura do Rei do Cangaço.
O personagem principal deste viés de personagens consagrados na historia do Nordeste, o sírio-libanês Benjamim Abraão teve uma participação ativa nesse enredo.
Benjamim, quando chegou em Juazeiro do Norte, no começo do século passado, “caiu nas graças” do Pe. Cícero Romão Batista, outra figura lendária na memória nordestina. Foi secretário do padre durante algum tempo, até a chegada na Meca do Cariri de um outro forasteiro, o baiano Floro Bartolomeu (que tornou-se, depois, a pessoa mais influente sobre o pensamento e ações políticas do Pe. Cícero). Floro detonou Abraão, seu concorrente diante do religioso.
Desprestigiado, sem as benesses do poder, o gringo teve que se virar para viver. Foi ser mascate e fotógrafo (com a máquina que antes utilizava para fotografar o padre Cícero e seus visitantes).
Nesse enredo, eu coloco um outro personagem: Adhemar Albuquerque, fundador da Aba Film, e que naquela época andou por Juazeiro do Norte, fotografando e filmando Pe. Cícero. Abraão propôs a Albuquerque registrar imagens de Lampião, nas caatingas. De imediato o acerto foi feito. Abraão passou a utilizar os equipamentos de Albuquerque (uma máquina fotográfica Box Tengo, a filmadora, modelo Kinamo Zeiss com capacidade para 23 metros e muitos filmes).
Um detalhe: Lampião gozava de prestígio junto ao Pe. Cícero (o motivo: os dois fizerem um pacto, no qual o padre acolhia, em Juazeiro do Norte, todos os familiares do bandido que moravam em Serra Talhada (PE) e em contrapartida, Lampião não invadia território cearense).
Daí a facilidade de Abraão se aproximar do cangaceiro.
Segundo pesquisou o professor Napoleão Tavares, Abraão tinha o intuito de ganhar muito dinheiro com a produção de filmes e fotos do “temível” Lampião. E passou a acompanhar o bando e vendendo fotos para a revista carioca Noite Ilustrada.
Benjamim conviveu com Lampião, durante meses. Morreu, em 1938 (por coincidência o mesmo ano da morte de Lampião, por meio de emboscada policial).
Alguns pesquisadores da vida de Benjamim não aceitam a versão de assassinato (50 facadas) por motivos passionais. Acreditam que foi “queima de arquivo”, pois ele sabia demais sobre o cangaço e do envolvimento de coronéis e subordinados, policiais de Pernambuco e Alagoas, com o Rei do Cangaço.
Um derradeiro detalhe: a maracutaia de Lampião com os policiais só acabou, porque com a decretação, pelo ditador Getúlio Vargas, do famigerado Estado Novo, em 1937, uma das providências era exterminar qualquer grupo comunista, ou qualquer outro contrário ao regime... Para a ditadura Vargas, Lampião se enquadrava no perfil dos “nocivos aos bons costumes”.
E, rapidinho foi eliminado, no dia 28 de julho de 1938. Em dez minutos, a tropa, comandada pelo tenente João Bezerra, “liquidou a fatura”, na fazenda Angico, em Sergipe. Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros foram mortos e tiveram suas cabeças cortadas.
É isso aí.
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