15 de mai. de 2009



Augusto Pontes

A entrevista desejada
que nunca fiz

Em 2007, fui procurado pelo compositor e professor de História, Wagner Castro, e indagou-me se eu teria coragem de publicar na Singular uma pesquisa dele sobre os meandros da música cearense, envolvendo Fagner e Belchior. O trabalho de Wagner revelava, que muitas canções da dupla tinha versos de um outro poeta e que não era citado nos créditos dos discos. Por exemplo “vida, vento, vela, leva-me daqui”, em “Mucuripe”. A omissão mais grave dos dois compositores refere-se a melodia “Apenas um Rapaz Latino Americano”. O poeta obscurecido em sua arte, faleceu, hoje. Augusto Pontes leve para o túmulo, a certeza que é autor de dois dos melhores versos da música cearense em todos os tempos.
Quando saiu a edição com o trabalho de Wagner Castro entreguei nas mãos de Augusto, no Flórida Bar, um exemplar da revista. E naquele momento, ele, sorrindo confirmou tudo que era relatado, pela primeira vez, na imprensa cearense. Fiz o convite para uma longa entrevista sobre a sua participação no movimento cultural cearense, especialmente na música. E, ele sempre adiava o nosso encontro. E todas as vezes que eu o encontrava, renovava o convite...
Infelizmente, nunca mais.


É um tal de disse-me-disse na canção cearense

Wagner Castro*

Como bem disse Caetano em sua canção Língua: “Se você tiver uma boa idéia, é melhor fazer uma canção”. Os artistas cearenses que deram início as suas carreiras nos anos 60 e 70 tiveram boas idéias. Na época, Augusto Pontes era uma espécie de guru, de “agitador cultural”. Além disso, deu nome a muitas canções, pôs versos em algumas como vida, vento, vela, leva-me daqui em Mucuripe como se fosse um redator final de algumas letras. Por outro lado, para Fagner, o autor do verso seria Guerra Junqueira, poeta português.
Talvez, a mais emblemática tenha sido Apenas um Rapaz Latino Americano, de Belchior. No dia de sua apresentação quando foi cursar o mestrado em Brasília, cada aluno identificava-se com o nome e em seguida declamava uma poesia ou um verso. Naquele momento Augusto Pontes declamou: “Eu sou apenas um rapaz latino americano sem parentes militares, sem parentes no poder. Apenas eu, a pé, só eu, a pessoa eu”.Indagado de a letra da canção Apenas um Rapaz Latino Americano era sua, Augusto comentou: “Isso foi uma carta enorme que eu fiz para várias pessoas, inclusive Belchior(...) Um carta coletiva,grande; mandei para o Rodger, Ednardo, Aderbal Júnior; muita gente”.
Perguntado a Belchior se ele tinha facilidade de fazer canção a partir de frases de amigos e poemas como veículo para uma boa idéia, Belchior relatou:
Essa música Rapaz Latino Americano, é uma música de 66. Ela tinha o seguinte nome porque era uma expressão que o Augusto falava muito no Bar do Anísio. Falava dessa solidão latino-americana, dessa necessidade de ir pra casa em meio à solidão e o fato de não ter parentes militares. Então, eu resolvi fazer uma música sobre isso. (...) Que eu tenha conhecimento, foi a primeira vez que apareceu, no meio da música popular brasileira, essa música mais falada, de jogral.
Àquela altura dos acontecimentos, da repressão ao meio artístico e cultural que o Brasil vivenciava, ter parentes importantes e militares arrefecia as tensões possibilitando um melhor trânsito em diversas áreas, mas a censura não se fazia de rogada; tanto que a expressão; “parentes militares” da canção foi substituída por “parentes importantes”.
Belchior também freqüentava o Bar do Anísio não como boêmio, mas para ouvir as conversas e as canções, e uma vez ou outra mostrava uma nova canção como foi o caso de Mucuripe, depois parceria com Fagner. Tornou-se a canção mais gravada por cantores consagrados e a que Fagner mais s orgulha, vencedora em 71 do Festival do Ceub (Centro de Estudos Universitários de Brasília).
No intervalo das aulas de Medicina, Belchior tocava violão embaixo das mangueiras da UFC, mesmo com uma certa timidez, passou a frequentar o Bar do Anísio onde gostava de apresentar uma música nova. Assim se referiu à maneira como tinha sido a construção de Mucuripe.
“Mucuripe veio da idéia de fazer desde um filme antigo, em que eu vi aconselhando a mulher de um marinheiro; dizendo que ela deixasse o mar receber todos os seus sofrimentos, todas as suas mágoas e tal. Então, resolvi fazer uma música sobre isso; a questão do Mucuripe, do significado do nome e porque naquela altura o Mucuripe era um local muito poético, com suas dunas. Eu fiz um scanner de Mucuripe, com letra e música e depois o Raimundo Fagner fez uma outra música bem melhor que a minha, tanto que ganhou o festival. Depois, com muito prazer, eu deixei de cantar a minha (risos), a música do Fagner tinha ganhado o festival. Foi muito bom isso ter acontecido, porque ela foi fruto de uma parceria muito feliz”.

Sobre a referida canção, Fagner comentou:
“O único fato curioso é quando apareceu o Festival Nordestino, eu coloquei a minha música Mucuripe, minha música mais forte com Belchior. Ela não entrou nem entre as quarenta. Isso realmente fica como uma nódoa para os organizadores daquele festival. Mucuripe foi a música mais importante da minha carreira. Ela foi gravada por Roberto(Carlos); pela Elis (Regina) e isso já bastaria pra desmascarar um pouco a organização desse festival (...) Festival da Ceub em Brasília eu ganhei com Cavalo Ferro, Mucuripe, Manera Fru-Fru. Ganhei o melhor intérprete e o melhor arranjo. Foi uma lavagem no Festival; isso despertou interesses, eu fiquei famosíssimo na Universidade de Brasília, apareci em todos os jornais”.
Os depoimentos de Belchior e Fagner despertam alguns questionamentos. O riso de Belchior, ao mencionar que a maneira de Fagner cantar Mucuripe era melhor, evidenciava certa ironia. Sobre o modo de cantar essa música, Fagner declarou:
“(...) O próprio Belchior, já que estamos falando a verdade, eu não gosto de esconder nada; a própria música Mucuripe, nas nossas rodinhas, eu cantava com ele. Em seguida, ele cantava com outra música dele para mostrar sua individualidade, uma coisa constrangedora. É tanto que a música dele nunca vingou, ele teve que gravar a minha mesmo. Existia uma disputa mesmo entre a gente, uma disputa de sobrevivência também; todo mundo querendo vencer na vida.

De fato, a canção Mucuripe foi gravada no disco Manera Fru-Fru, de Fagner, em 73, com arranjo original de Ivan Lins.
Depois de 31 entrevistas com o Pessoal do Ceará, no caso em particular com Belchior Fagner e Augusto Pontes, percebe-se que suas lembranças ora convergem, ora divergem quanto ao local e produção de certas canções, evidenciando orgulho, vaidade...Todavia, muitas são as intenções quanto à elaboração de uma música; o delineamento de suas construções e suas representações fornecendo múltiplos elementos para se pensar a arte na História e em particular a música popular.

*Wagner Castro é professor, mestre em História e compositor

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