Livro revela,
pela primeira vez,
o desabafo dos cafonas
o desabafo dos cafonas
Alguém já imaginou Waldick Soriano, denunciando que teve sua carreira artística prejudicada pela perseguição da máquina repressiva da ditadura, durante o regime militar que imperou no Brasil (1964/1985)? Ou que os compositores cearenses Dom e Ravel, estigmatizados como símbolos do ufanismo militar dos anos 70, do século passado, (Ame-o ou deixe-o), são autores de músicas, defendendo a reforma agrária? E que Odair José, conhecido naquele tempo como o terror das empregadas, era considerado adversário do governo? O sambista Luiz Ayrão um enganador dos generais?
Essas questões são reveladas, no livro Eu não sou cachorro, não (Ed. Record) de Paulo César de Araújo que defende uma causa que qualquer outro pesquisador da música popular brasileira ousou. Como os compositores e cantores, considerados cafonas, dos anos 60 e 70, conviveram com o regime de censura e de opressão policial.
Para o autor, eles não eram alienados ou adesistas do sistema militar da época.
E tem mais: o autor não livra a cara de “monstros sagrados” da chamada MPB, pois flertavam com os milicos. Jorge Ben Jor, quando à época, era conhecido como Jorge Bem, por exemplo, endossou o governo Médici, empolgando multidões com País tropical: Elis Regina recebeu cachê do Exército para cantar nos festejos do Sesquincentário da Independência, em 1972: Ivan Lins apareceu no V Festival da
E tem mais: o autor não livra a cara de “monstros sagrados” da chamada MPB, pois flertavam com os milicos. Jorge Ben Jor, quando à época, era conhecido como Jorge Bem, por exemplo, endossou o governo Médici, empolgando multidões com País tropical: Elis Regina recebeu cachê do Exército para cantar nos festejos do Sesquincentário da Independência, em 1972: Ivan Lins apareceu no V Festival da
Canção, em 1970, com a composição O amor é o meu país.
Colocando de lado o valor estético dos intitulados cafonas, o autor elegeu a produção musical, entre 1968 e 1978, período que rendeu milhões de discos, mas que, ao mesmo tempo, trouxe problemas para seus autores e cantores. Com a composição Tortura de Amor (Hoje que a noite está calma, apareceste afinal, torturando este ser que te adora), Waldick Soriano teve sua execução pública proibida em todo território nacional, em 1974. Só porque a canção falava da palavra “Tortura”, e naquela época era proibido se pronunciar em público tal vocábulo. E no caso, nem “tortura de amor”.
O campeão disparado de imbróglios com a censura era Odair José. A gravação de Pare de tomar a pílula chegou ao sucesso, no momento em que o regime militar patrocinava uma entidade chamada de Bemfam (Sociedade Civil do Bem-Estar Familiar no Brasil), que desenvolvia uma campanha de controle da natalidade, patrocinada e orientada por organismos norte-americanos, entre mulheres de baixa renda, principalmente nas regiões mais pobres do País com a propaganda Tome a pílula com amor. Enquanto que Odair José mandava parar de tomar o anticoncepcional. O disco foi proibido de tocar em emissoras de rádio, nos shows que ele fazia nos subúrbios das cidades e no interior. Só que o povo exigia que ele cantasse. Por conta disso, o cantor foi preso. A dupla Dom & Ravel, embora chapada sob o estigma da música ufanista Eu tem amo meu Brasil, tem aspectos nunca divulgados. “O segundo LP da dupla, lançado em 1974, trazia algumas gravações de forte conteúdo social: O Caminhante, Conflitos de Gerações e principalmente Animais Irracionais, faixas que incomodaram o governo. Nos 13 anos do golpe militar de 1964, o sambista Luiz Ayrão gravou o samba sob o título Treze Anos, que dizia assim: Treze anos te aturo e não aguento mais/ Não há Jesus Cristo que suporte e eu não suporto mais/ Treze anos me seguro e agora não dá mais/Se treze anos é a minha sorte, vai, me deixa em paz... Com o título original, o samba foi proibido pela censura. Malandramente, Ayrão trocou por Divórcio, pois naquele ano, 1977, o tema estava sendo muito comentado, por conta do projeto do senador Nélson Carneiro, que acabava de ser aprovado no Congresso.
A letra com o novo título passou incólume pelos desavisados primeiros censores. Até que o ministro do Exército, Fernando Belfort Bethlem, soube do cochilo e repreendeu os delegados do Departamento de Polícia Federal, em Brasília. O disco foi novamente retirado das lojas.
Os chamados cafonas também tiveram seus momentos de sufoco. O livro Eu não sou cachorro, não veio preencher uma lacuna na história da música popular brasileira.
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