20 de mai. de 2011

Correspondência atualizada


Recebi, hoje, um e-mail do meu amigo e poeta Arievaldo Viana, dando conta de uma entrevista que ele fez, em 2.000, com uma das principais figuras da Literatura de Cordel, Costa Leite, para a Singular.
Vejam o que ele escreveu:
“Em janeiro de 2000, a luta pela revitalização da Literatura de Cordel estava apenas começando. Os anos 80 e 90 do século recém findo haviam sido bastante desanimadores. Com o fechamento das editoras tradicionais e a morte de Manoel D’Almeida Filho, Joaquim Batista de Sena, Manoel Caboclo e Silva, Minelvino Francisco e outros baluartes da poesia, os estudiosos chegaram mesmo a profetizar a extinção do gênero “romance” e a permanência (esporádica) do folheto de ocasião. Contrariando os augúrios pessimistas, associei-me na época aos poetas Pedro Paulo Paulino e Klévisson Viana e começamos a produzir e publicar novos folhetos – inclusive romances – para tentar reaquecer o mercado. Nesse período foi muito proveitosa a relação que travamos com antigos mestres do ofício como Lucas Evangelista, Antônio Américo de Medeiros, Gonçalo Ferreira, Mestre Azulão e o poeta-editor-xilógrafo-folheteiro paraibano José Costa Leite, uma lenda viva do Cordel.
É por isso que naquele mês de janeiro de 2000 decidimos – eu e Klévisson – ir a Juazeiro do Norte encontrar com José Costa Leite para conhecê-lo de perto e entrevistá-lo para a revista Singular, do meu amigo Eliézer Rodrigues. Tivemos sorte... Além de Costa Leite, travamos amizade também com Stênio Diniz (grande nome da xilogravura cearense, hoje Mestre da Cultura), com o jornalista Jackson Pires Barbosa  e dona Ana, respectivamente genro e filha do editor José Bernardo da Silva. Sem falar em Bernardo Neto, filho do casal, que tornou-se nosso cicerone na Meca do Cariri.
Foi uma viagem inesquecível... Voltamos dali com muitos folhetos, histórias e lembranças na bagagem. E isso foi decisivo para abraçarmos a causa do cordel com mais apego e vontade.  Reproduzo, abaixo, a entrevista que José Costa Leite nos concedeu no dia 17 de janeiro de 2000, em Juazeiro do Norte. Essa entrevista foi publicada na revista Singular e também foi usada pelo saudoso pesquisador Ribamar Lopes para colheita de informações, quando escreveu a biografia do poeta Rouxinol do Rinaré para Editora Hedra:
ENTREVISTA COM O POETA POPULAR, XILÓGRAFO
E EDITOR DE CORDEL JOSÉ COSTA LEITE
José Costa Leite, paraibano de Sapé-PB, nasceu aos 27 de julho de 1927, (72 anos de idade; 52 dos quais dedicados a Literatura de Cordel). Aluno aplicado da escola de José Pacheco e outros grandes mestres, vive exclusivamente de escrever, editar e revender folhetos nas principais feiras da Zona da Mata de Pernambuco e Paraíba. É citado em quase todas as antologias do gênero, seja pelo seu trabalho como cordelista, seja pela sua sensibilidade no corte de milhares de tacos de umburana. Isso mesmo! Costa Leite, além de grande poeta é também um xilógrafo de técnica extremamente pessoal e apurada. Modesto, cobra apenas R$ 30,00 por cada taco que corta para capa de folhetos. “Eu gosto mesmo é de ajudar outros poetas, porque amo o Cordel e não quero vê-lo morrer... faço qualquer negócio para mantê-lo de pé!”
com a experiência de quem já milita há mais de meio século, Costa Leite traz na sua mala, além dos folhetos, a própria história do Cordel, freguês que foi de João Martins de Athayde e José Pacheco, dois dos maiores expoentes da Literatura de Cordel.
Para nós, que não víamos um autêntico folheteiro em ação há mais de dez anos, foi uma grata surpresa encontrá-lo em Juazeiro do Norte em plena atividade, no último dia 17.01.2000. Com a palavra, Costa Leite, o último poeta clássico (vivo) do Cordel:
1 – Você atua há quantos anos na profissão de cordelista, editor, xilógrafo e folheteiro? Porque começou?
COSTA LEITE – Estou na profissão há 52 anos. Comecei vendendo folhetos dos outros nas principais feiras da Paraíba e Pernambuco. Já escrevia alguma coisa, mas não tinha condições de publicar. Me interessei pela Literatura de Cordel ainda menino, lendo folhetos de Manoel D’Almeida Filho, Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde e José Pacheco.
2 – Quando você começou, João Martins de Athayde estava em plena atividade como cordelista e editor. Você o conheceu pessoalmente?
CL – Conheci demais... era baixo, entroncado e meio aborrecido. Certa feita fui à sua casa, perto do Mercado Central de Recife, comprar alguns romances e ele começou a tirar a mercadoria de umas gavetas e colocar em cima do balcão. Nesse momento eu perguntei se ele tinha determinado título no estoque... Ele pegou tudo que estava em cima do balcão, guardou novamente nas gavetas e disse: “Você conhece meus livros? Então vá pedindo pelo título que eu lhe despacho!” Quer dizer, eu acho que ele ficou aborrecido, né?
3 – E José Pacheco, você conheceu? Em que circunstâncias?
CL – Vi ele vendendo folhetos na Praça Dom Vital, também no Mercado São José, em Recife, em 1947. Era um tipo engraçado, brincalhão... lembro inclusive que ele tinha um braço mais grosso do que outro, mas não sei dizer se era o direito ou o esquerdo. Ah! Antes disso eu já havia comprado um cordel a ele, quando menino, na cidade de Itabaiana, por 200 Réis. Era “A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO”. A capa já era em xilo... ele apontava as figurinhas da capa e dizia: “Olha os diabinhos, olha os diabinhos!” Dele, os folhetos que mais gosto além da “Chegada” é “A Princesa Rosamunda” e “A Vaca da Costela de Pau”. Tem uma estrofe de Zé Pacheco, muito engraçada, que diz:
“O matuto usava calça
e camisa de algodão,
daquele pano grosseiro
que se fiava na mão.
Quando ele se abaixava,
A calça abria e fechava
Porque só tinha um botão.”
(Costa Leite então se abaixa e mostra como o matuto fazia)
– Além de só ter um botão, o danado não usava ceroula... Já pensou a marmota?
* Ainda sobre José Pacheco, o poeta nos acrescentou posteriormente em conversa informal:
“Aquele retrato dele que aparece nos folhetos da Editora Luzeiro não se parece nem um pouco com ele. Ele era um sujeito bem claro e ali aparece como um mulato. Acho, inclusive, que a Luzeiro não comprou os direitos autorais do poeta. Deve ter sido o Manoel D’Almeida que inventou aquela filha (Julieta Pacheco da Rocha), residente no Rio de Janeiro e tal, para ajudar seu compadre Arlindo Pinto de Souza, dono da Luzeiro. Afinal, a obra de Pacheco tem venda garantida. Não afirmo, porque não tenho certeza absoluta, mas conversando com outros poetas daquela época soube que José Pacheco não tinha uma filha com este nome.”*
(* Ver comentário de Marco Haurelio no rodapé da página)
4 – Quando você publicou seu primeiro folheto?
CL – Foi por essa época... 1947 ou 1948. Eu tive uma desilusão amorosa com uma mulher com quem era amigado e desenvolvi um tema que dizia: “Mulher falsa e traiçoeira / Traz o marido enganado”. Ela me deixou depois de três anos de convivência, alegando que era porque a gente não tinha um filho. Então foi embora com um sujeito e começou a sofrer na mão dele. Então me escreveu arrependida, pedindo pra voltar. Então eu disse: “- Neusa, dane-se por lá mesmo, nas unhas desse fariseu”. Nem tive raiva, nem pena... fiquei indiferente. Depois ela engravidou e morreu de parto. O cara não tinha com que pagar o enterro e a mãe dela veio me pedir uma ajuda. Eu dei... não guardava mais ressentimento.
5 – Qual foi a primeira XILO que você cortou?
CL – Foi da “História do Rapaz que Virou Bode”. Eu havia mandado dois folhetos para tipografia, pensando que eles botariam uma figurinha na capa. Quando fui receber os impressos, não tinham capa – eram “Eduardo e Alzira” e “Peleja de Costa Leite com Mané Vicente”. Não venderam muito porque não tinham capa. Então, quando eu fiz o folheto do Bode, peguei um taquinho de umburana e cortei uma figurinha para capa do folheto. O Bode vendeu muito!
“Um homem com sua esposa
vinham duma diversão:
O bode partiu em cima,
Botou o homem no chão,
O homem a faca puxou
Mas o bode o agarrou
E a faca caiu da mão”
“A mulher pegou a faca
Chorando e dando gemido
Disse: - Eu vou matar ele
Pra não matar meu querido!
Na confusão do pagode,
Ela foi matar o bode
Errou, capou o marido.”
6 – Na sua opinião, quais as perspectivas para a Literatura de Cordel?
CL – Eu sou otimista. No meu almanaque de 2000 (Calendário Nordestino, publicado há 40 anos) eu botei uma frase que diz:
“O otimista pode até errar, mas o pessimista já começa errado!”
Eu ando meio preocupado com o desinteresse do povo pelo Cordel, mas acho que ele vai sobreviver.
7 – Porque o Cordel está em decadência junto às camadas populares?
CL – O povo só gosta do que a televisão diz que é bom. O nordestino tem uma mania horrível de gostar do que vem de fora. O cara pega um coco do próprio quintal, pega um quilo de açúcar da usina vizinha, faz um doce e sai gritando na rua:
“- Olha o doce japonês! Olha o doce americano...!”
O rádio de pilha e a TV são os maiores responsáveis pela decadência do Cordel, porque só mostram a cultura de fora. Outro problema, são estas seitas. O cara que tem uma coleção de folhetos, na hora que vira crente pega tudo e toca fogo... não sei porque, mas crente não gosta de cultura.
Por outro lado, esse povo das universidades tá dando mais valor ao cordel, mas nem todos têm a sorte de um Patativa, de ter seu trabalho reconhecido em vida. Geralmente a obra só é considerada importante depois que o cabra morre.
8 – Você gosta de Patativa?
CL – Eu o admiro demais... Gostaria muito de dar-lhe um abraço. Aliás, na frente dele, eu nem me considero poeta.
9 – Quais os maiores cordelistas, no seu ponto de vista?
CL – São todos do passado, já falecidos: Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Manoel D’Almeida Filho, Delarme Monteiro, José Pacheco da Rocha e José Camelo de Melo Resende.

Entrevista concedida a Arievaldo Viana, em Juazeiro do Norte-CE, no dia 17 de Janeiro de 2000, às 8:00h da manhã, no Hotel São Francisco, para a Revista SINGULAR".

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