11 de mar. de 2010

MINHAS MEMÓRIAS -
Matéria publicada na revista
Singular, em março/2001


C aldeirão hoje é considerado patrimônio histórico


Beato José Lourenço comandou uma sociedade alternativa


Pe. Cícero morreu sem ser perdoado pela igreja católica



A cota da igreja no massacre do Caldeirão
Entre os principais personagens da história do Ceará, o Pe. Cícero Romão Batista é, com certeza, aquele que desperta maior curiosidade de pesquisadores e outros estudiosos interessados em escarafunchar a memória regional.
Sua vida e obra foram emblemáticas.
A partir do acontecimento de 1889 (quando a beata Maria de Araújo ao receber a hóstia consagrada das mãos do então vigário Pe. Cícero, sangue começou a jorrar da boca da religiosa) as controvérsias se multiplicaram.
Milagre ou embuste?
Por conta da propagação do fenômeno, Juazeiro do Norte tornou-se um dos maiores centros de peregrinações de devotos. Todavia, a cúpula da igreja católica nunca o absolveu dos inquéritos eclesiásticos envolvendo o sacerdote. O padre morreu proibido de ministrar os ofícios peculiares ao seu mister: casar, batizar, rezar missa etc.
Os principais representantes do Vaticano o ignoram há séculos (Dom Aloísio Lorscheider, então arcebispo de Fortaleza, no ano do sesquicentenário de nascimento do Pe. Cícero, em 1994 se recusou a falar sobre ele). Coisas da vida: no dia seguinte à minha tentativa de ouvi-lo, o cardeal foi sequestrado por fugitivos do Instituto Penal Paulo Sarasate. Pareceu castigo.
A igreja engessou o seu desprezo (obs: esta crônica foi escrita em 2001), muito embora venha se refestelando com os bens patrimoniais herdados do Pe. Cícero e com os vultosos dízimos, tirando proveito da sua generosa imagem messiânica, cultuada pelo povo.
Todavia, as legiões de romeiros sempre ignoraram os tais inquéritos eclesiásticos e o elevaram à condição de santo.
A fé dos humildes construiu o seu eterno altar.
Nada mais consagrador e definitivo.
Se o conjunto da obra e do destino do Patriarca de Juazeiro, no final das contas, vem resultando em detalhadas observações acadêmicas e uma absorção velada pelo baixo clero, a porção histórica de um outro líder messiânico da Meca do Cariri, o beato José Lourenço Gomes da Silva, ainda carece, e muito, de revisões e investigações que esclareçam minudências e entraves impostos pela igreja quanto às concepções religiosas e os feitos sócio-comunitários realizados pelo beato.
A grande maioria de estudiosos sempre debita a problemas político-religiosos a destruição pela polícia do Caldeirão (sítio, perto de Juazeiro do Norte, onde o beato formou uma espécie de sociedade alternativa, no período de 1928/1937).
É importante lembrar que política e religião sempre andaram de braços em Juazeiro do Norte, desde 1911 (quando o pequeno lugarejo, então distrito de Crato, foi transformado em município). Pressionado e enquadrado pela igreja, via os processos eclesiásticos, Pe. Cícero buscou, a partir daquele ano, pela política, um instrumento forte de reação para se engrandecer no contexto político-administrativo do Estado. Orientado pelo seu alter ego político, o baiano Floro Bartolomeu, Pe. Cícero lançou o seu famoso “Pacto dos coronéis”, visando pacificar as famílias dos poderosos. Na política ele foi tudo que quis: prefeito do recém criado município de Juazeiro do Norte, deputado federal e até vice-governador do Ceará.
É neste contexto que entra a figura do beato José Lourenço, ajudado pelo padre Cícero, na ambientação religiosa e comunitária.
José Lourenço, juntamente com seus seguidores ao chegar em Juazeiro do Norte passaram a ocupar o sítio Baixa d’antas. A comunidade comandada por ele, ao mesmo tempo que gerava trabalho e fartura para as famílias, crescia com o surgimento de outros romeiros, enviados por Pe. Cícero. Pois era enorme o número de romeiros que diariamente se instalava na sede do município.
Mesmo com a simpatia de Pe. Cícero, o beato contava com a antipatia de Floro Bartolmeu (que chegou a exercer mandato de deputado federal, homem temido, prestigiado pelos chefões da Velha República). Floro não admitia certos fanatismos praticados pelos broncos seguidores do beato. Floro chegou ao ponto de mandar matar o Boi Mansinho e obrigar os fanáticos a comerem a carne do bovino adorado.
A amizade e a ajuda do Pe. Cícero ao beato só foram reestabelecidas após a morte prematura de Floro Bartolomeu, em 1926.
Já destituídos do sítio do Baixa d’antas, o beato e seu povo aceitaram uma nova oferta do padre e partiram para o Caldeirão, terreno acidentado onde ele e sua turma passaram a trabalhar dia e noite. Dentro de pouco tempo conseguiram transformar o Caldeirão em um oásis de fartura, onde não circulava dinheiro e tudo era de todos. Na terrível seca de 1932, enquanto o governo estadual era incompetente para empreender programas assistenciais às vítimas e as missões de religiosos estrangeiros fugiam, temendo contágios de doenças, o Caldeirão acolhia os miseráveis.
Sem dúvida, pela qualidade de vida proporcionada aos seus habitantes, o Caldeirão era para o povo uma espécie de terra prometida. Talvez, até melhor do que aquela vivida pelos outros pobres romeiros, egressos de vários lugares, e residentes na matriz: Juazeiro do Norte.
José Lourenço poderia ser para aqueles milhares de despossuídos o sucessor natural do Pe. Cícero, e com a vantagem de administrar uma comunidade igualitária, sem violência e o principal: sem fome. Além do mais, o grande comandante da Meca do Cariri, já debilitado e velho, vivia praticamente para receber visitas de políticos oportunistas e dar a “benção” aos milhares de romeiros, seus afilhados e “amiguinhos”, como costumava chamá-los.
Pouco antes de morrer (em 1934, aos 90 anos), o Pe. Cícero, na sua derradeira tentativa de agradar a igreja e readquirir os direitos de praticar ofícios religiosos, destinou, em testamento, grande parte da sua fortuna latifundiária, incluindo o Caldeirão, à congregação dos Irmãos Salesianos. Quem saiu perdendo? Claro que foi beato José Lourenço e seus seguidores. Porém, não surtiu efeito sonhado pelo padre: ser perdoado. Mais uma vez, a igreja fez ouvido de mercador, literalmente. Até hoje, ainda rola no Vaticano os processos contra ele.
Para o beato e o seu povo, o martírio só começava com a morte do ex-protetor. Três anos depois do falecimento do Pe. Cícero, atendendo ao pedido do bispo do Crato, D. Francisco de Assis Pires e dos padres Salesianos, a polícia foi chamada para intervir. Os policiais, armados, executaram a desapropriação do Caldeirão, perseguindo e matando centenas de homens desarmados. José Lourenço, homem de índole pacífica, abandonou o lugar. Alguns dos seus seguidores tentaram reação.
Mesmo assim, o sonho da sociedade alternativa e produtiva continuava: José Lourenço voltou quatro anos depois e tentou comprar dos Salesianos as terras do Caldeirão. A proposta foi recusada.
Amargurado, ele retornou para Pernambuco, onde morreu, em 1946, vítima de peste bubônica. Seus restos mortais estão sepultados no cemitério de Juazeiro do Norte e ainda hoje em dia, seu túmulo é zelado por admiradores.


Militar arrependido:
“Religiosos foram inflexíveis”

O general Goés de Campos Barros, comandante (ainda como tenente do Exército) das tropas destruidoras do Caldeirão, chefe, à época, da Delegacia de Ordem Política e Social, 62 anos, depois da tragédia, em entrevista a este repórter foi enfático: “ Provavelmente se os padres Salesianos tivessem constatado que aquilo se transformaria numa tragédia, teriam tomado todas as providências e com certeza não pediriam forças militares para resolver o problema. Eles foram inflexíveis com o beato José Lourenço e seus seguidores”.
Raciocinava ainda o militar, na referida entrevista publicada no jornal Diário do Nordeste (23/08/1998) que “caso o padre Cícero ao emprestar, em 1926, o sítio ao beato, oito anos de sua morte, e tivesse incluído no testamento Zé Lourenço como beneficiário, o desdobramento da questão, com certeza, seria diferente”. Ou então, disse o militar: “Uma outra solução para o embargo deveria ter partido dos Salesianos, aceitando algum tipo de parceria com Zé Lourenço (pagamento de tributos, arrendamento do terreno ou mesmo a venda). Nada disso aconteceu. O beato era um homem trabalhador e de boas intenções”, reconheceu, finalmente o general.
Claro que arrependimento tardio, jamais apagará da história a violência soldadesca contra centenas de famílias pacatas, destruindo mais de 400 casas, moagens e roças.
Na operação militar foram usados fuzis, metralhadoras e até bombas, atiradas de aviões.
Tudo sob a orientação do Estado Novo (1937/1945) que acabara de ser instalado no Brasil. A ordem era acabar com qualquer liderança civil no País. E a saga do Caldeirão era algo como uma revolução socialista, partida do povo e incomodava os mandarins da política e da religião
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Um comentário:

  1. DENÚNCIA: SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ – UMA HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONHECE PORQUE JAMAIS FOI CONTADA...



    "As Vítimas do Massacre do Sítio Caldeirão
    têm direito inalienável à Verdade, Memória,
    História e Justiça!" Otoniel Ajala Dourado



    O MASSACRE APAGADO DOS LIVROS DE HISTÓRIA


    No município de CRATO, interior do CEARÁ, BRASIL, houve um crime idêntico ao do “Araguaia”, foi o MASSACRE praticado pelo Exército e Polícia Militar do Ceará em 10.05.1937, contra a comunidade de camponeses católicos do SÍTIO DA SANTA CRUZ DO DESERTO ou SÍTIO CALDEIRÃO, cujo líder religioso era o beato "JOSÉ LOURENÇO GOMES DA SILVA", paraibano de Pilões de Dentro, seguidor do padre CÍCERO ROMÃO BATISTA, encarados como “socialistas periculosos”.



    O CRIME DE LESA HUMANIDADE


    O crime iniciou-se com um bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como metralhadoras, fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram na “MATA CAVALOS”, SERRA DO CRUZEIRO, mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como juízes e algozes. Meses após, JOSÉ GERALDO DA CRUZ, ex-prefeito de Juazeiro do Norte/CE, encontrou num local da Chapada do Araripe, 16 crânios de crianças.


    A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELA SOS DIREITOS HUMANOS


    Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará é de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira e Acordos e Convenções internacionais, por isto a SOS DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - CE, ajuizou em 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo: a) que seja informada a localização da COVA COLETIVA, b) a exumação dos restos mortais, sua identificação através de DNA e enterro digno para as vítimas, c) liberação dos documentos sobre a chacina e sua inclusão na história oficial brasileira, d) indenização aos descendentes das vítimas e sobreviventes no valor de R$500 mil reais, e) outros pedidos



    A EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO DA AÇÃO


    A Ação Civil Pública foi distribuída para o Juiz substituto da 1ª Vara Federal em Fortaleza/CE e depois, para a 16ª Vara Federal em Juazeiro do Norte/CE, e lá em 16.09.2009, extinta sem julgamento do mérito, a pedido do MPF.



    AS RAZÕES DO RECURSO DA SOS DIREITOS HUMANOS PERANTE O TRF5


    A SOS DIREITOS HUMANOS apelou para o Tribunal Regional da 5ª Região em Recife/PE, argumentando que: a) não há prescrição porque o massacre do SÍTIO CALDEIRÃO é um crime de LESA HUMANIDADE, b) os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO não desapareceram da Chapada do Araripe a exemplo da família do CZAR ROMANOV, que foi morta no ano de 1918 e a ossada encontrada nos anos de 1991 e 2007;



    A SOS DIREITOS HUMANOS DENUNCIA O BRASIL PERANTE A OEA


    A SOS DIREITOS HUMANOS, igualmente aos familiares das vítimas da GUERRILHA DO ARAGUAIA, denunciou no ano de 2009, o governo brasileiro na Organização dos Estados Americanos – OEA, pelo DESAPARECIMENTO FORÇADO de 1000 pessoas do SÍTIO CALDEIRÃO.


    QUEM PODE ENCONTRAR A COVA COLETIVA


    A “URCA” e a “UFC” com seu RADAR DE PENETRAÇÃO NO SOLO (GPR) podem localizar a cova coletiva, e por que não a procuram? Serão os fósseis de peixes do "GEOPARK ARARIPE" mais importantes que os restos mortais das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO?



    A COMISSÃO DA VERDADE


    A SOS DIREITOS HUMANOS busca apoio técnico para encontrar a COVA COLETIVA, e que o internauta divulgue a notícia em seu blog/site, bem como a envie para seus representantes no Legislativo, solicitando um pronunciamento exigindo do Governo Federal a localização da COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO.


    Paz e Solidariedade,



    Dr. Otoniel Ajala Dourado
    OAB/CE 9288 – 55 85 8613.1197
    Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
    Membro da CDAA da OAB/CE
    www.sosdireitoshumanos.org.br
    sosdireitoshumanos@ig.com.br

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