24 de set. de 2010

Luzes da Cidade


Memórias de um engraxate

A praça do Ferreira exerce sobre as pessoas nativas da capital cearense  uma espécie de sentimento nostálgico, saudosista, romântico, atávico, algo assim similar ao verso “o rio que corre pela minha aldeia”, poema de Fernando Pessoa. Diferente do “rio da minha aldeia não faz pensar em nada”, também do poeta português, a praça do Ferreira me faz viajar em muitas coisas: nos amores fugidios, nos escaninhos da minha vida, nos amigos, nos personagens da cidade que por lá passaram ou naqueles poucos que ainda sobrevivem, caminhando pelas alamedas do chamado coração de Fortaleza.  E relembranças de outras e outras passagens...

Hoje, pela manhã, passei por lá, e fui até ao banco do engraxate Pirrita, (o senhor Francisco Alfredo, 76 anos de idade). E ele, esmerado no trabalho, é craque em dá aquele brilho aos sapatos.

E como sempre, puxei conversa com ele.
E como estamos em tempos de eleição, nada mais salutar do que ouvir o Pirrita contar suas memórias. Afinal são 56 anos de praça do Ferreira, local que sempre reuniu as mais variadas tendências do mundo político. E ele sempre lá, trabalhando como engraxate.  E a conversa rolou, nas lembranças do Pirrita. Um detalhe, que ele me contou: já passaram sapatos de gente importante do alto escalão da administração pública.

Por exemplo: quatro ex-governadores já sentaram no banco da praça para dar um grau nos pisantes: Parsifal Barroso, Virgílio Távora, Tasso Jereissati e Ciro Gomes.
 Sobre Parsifal (governou o Ceará de 1959 a 1963), Pirrita disse que ia lustrar os sapatos do governador, dentro do próprio Palácio da Luz (hoje Academia Cearense de Letras), sede do governo à época e perto da praça do Ferreira.  Ainda no governo Parsifal, Pirrita conta outra história interessante: às vésperas do casamento da filha do governador Parsifal, ele esteve no Palácio para engraxar dezenas de pares de sapatos. Nunca teve nenhuma vantagem. Sobre os outros, ele conta que apenas iam à Praça, e pagavam pelo serviço.

Ele me contou uma outra coisa que fiquei impressionado: até bem pouco tempo (isso há questão de dois anos) trabalhavam na praça do Ferreira cerca de 39 engraxates. Hoje, somente ele exerce a profissão. O motivo: os outros estão vivendo sob as custas do bolsa família (60 reais por mês) e não querem mais trabalhar.

Conversa vai, conversa vem, ele terminou o serviço e a conversa. Paguei, e antes de ir embora, fiquei preocupado quando o vi quase se arrastando para caminhar, sentindo o peso da idade, e doente.
Afinal, eu estava ali, ao lado de um personagem representante da história da minha cidade, da Fortaleza província, humana ou descalça como dizia o poeta Otacílio de Azevedo.


Todos os dias, Pirrita dá milho aos pombos (Fotos: Evilázio Bezerra)

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