6 de abr. de 2010

Foto de Ulisses Guimarães, poucos dias da sua morte

O ditador Geisel fotografado pela primeira vez na praia

Fotografia é história no

olhar de Orlando Brito

Todos os dias quando vejo a coluna on line do jornalista Cláudio Humberto dou uma olhadela na participação do fotógrafo Orlando Brito, no espaço que ele assina sob o título Fotografia é História. Lá, ele rememora flagrantes importante da vida brasileira, principalmente momentos importantes para a história do país. Orlando Brito é dono de um formidável registro fotográficoda história política brasileira. Iniciou sua carreira como repórter fotográfico na Última Hora, de Samuel Weiner, trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Veja, dirigiu a sucursal da revista Caras. Ninguém viu de tão perto as cinco décadas da Capital do Brasil quanto ele: testemunhou um golpe de Estado, acompanhou a vida de 11 presidentes da República, a queda de um deles... e até continua fotografando os personagens do poder central do país.

Em depoimento à recente edição da revista Poder, Orlando Brito traça o perfil de algumas das autoridades importantes da vida pública brasileira:

Por exemplo, o general Ernesto Geisel:

“Era um sujeito muito duro, firme nas posições, mas incapaz de uma grosseria no trato pessoal. Eu estava em Natal, no Rio Grande do Norte, acompanhando o presidente Geisel num viagem oficial. Hospedei-me no hotel em que a imprensa estava, o mesmo da comitiva presidencial. Trabalhava n’ O Globo. Consegui lugar para dormir no chão,próximo à janela, num quarto com mais três colegas. De manhã cedo, por volta das cinco horas, acordei com o sol no meu rosto, olhei para a praia e tive um susto: lá estava o presidente Geisel de calção de banho, fazendo exercícios e dando mergulhos. Imediatamente peguei a câmera, a melhor lente e comecei a fotografar. A autocensura era tão feroz que nenhum deles se dispôs a fazer o mesmo. Por precaução fotografei dois rolos de filme acompanhando cada passo do presidente na areia. Um eu escondi e o outro ficou na câmera, pronto para ser tomado pelos militares. Ao descer para o café da manhã um general perguntou o que eu estava fotografando na praia. Fui dedurado. Pensei, “agora a coisa vai ficar mal para o meu lado”. Humberto Esmeraldo Barreto, secretário de comunicação do presidente Geisel, interveio: “Não há problema algum. O presidente foi à praia, um lugar público e pode ser fotografado sem a farda como estava. Os tempos são outros”. Quando ele disse “os tempos são outros”, entendi que a partir dali a ditadura iria viver o princípio do fim”.

Foto e premonição

Em 1992, o deputado Ulysses Guimarães morria a bordo do helicóptero que o transportava de uma praia de Angra dos Reis, no Rio, para São Paulo. Com ele estavam dona Mora, sua mulher, e o casal de amigos Marieta e Severo Gomes, além do comandante da aeronave Jorge Comeratto, também falecidos. O país perdia um dos mais importantes políticos de sua história.

Vejam o depoimento de Orlando Brito sobre a foto que ele fez poucos dias antes da morte de Ulisses Guimarães:

Amigos dizem que eu deveria poupar palavras sobre as fotos que apresento aqui. Trazem de volta a já gasta e velha máxima de que “uma imagem vale tanto quanto mil palavras”. Discordo inteiramente. Primeiro, acho que depende da imagem e também depende das palavras. Segundo, não escrevo intrinsecamente sobre a foto em questão. Abordo algo que está fora dela, as condições em que foi feita e não simplesmente uma descrição da imagem. Acho interessante dizer dos lances inerentes ao seu conteúdo. Esta, por exemplo, tem uma história que reputo muito curiosa. Sempre fiquei preocupado com o caráter premonitório de algumas fotos que fiz. Mas esta de Ulysses tirou-me o sono por várias noites. O dia 6 de outubro de 1992 foi daquelas terças feiras de pouco movimento no Congresso. No fim da tarde, quando eu voltava para a redação de Veja e descia a escada do Salão Verde da Câmara para o térreo, reparei que a luz do outono brasiliense estava como sempre majestosa. O sol, na altura do horizonte, invadia o andar térreo com uma réstia de raios cristalinos, amarelos. Minha saída coincidia com a chegada do doutor Ulysses. Ele parou em frente ao elevador privativo aos parlamentares para responder a uma pergunta do jornalista Ivanir Bortot, à época da Gazeta Mercantil. Do lugar onde eu estava, no contra-luz, via a silhueta de Ulysses e Bortot, ambos contornados pelos raios de luz. Quatro fotogramas. Confesso que o resultado da imagem me impressionou. Era forte, não tinha a ver com a serenidade daquele momento. Seis dias depois, a trágica notícia do desaparecimento de Ulysses. Constatada sua morte, evidentemente, virou capa da revista. Falei com Mário Sérgio Conti, editor-chefe àquela época, lembrando que resgatasse em São Paulo o tal cromo. Aquela imagem que tanto me chamou a atenção foi para a capa da revista. Depois virou monumento em uma praça de Campinas. Por força do convívio de anos na cobertura da política, assim como outros colegas acabei me aproximando bastante do doutor Ulysses Guimarães. Fiquei bastante entristecido. Recebi inúmeras cartas de leitores da revista. Uma delas trazia uma pergunta que até hoje não consegui resposta: como se sente um jornalista diante da dor dos outros. Incrível! Essas palavras são as que inspiram o título que a ensaísta americana Susan Sontag dá a seu livro sobre o conflito entra a frieza e a emoção que um fotógrafo encontra no front da notícia”.

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